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"Quando a gente tem HIV, parece que a gente tem uma lepra, porque os médicos não querem encostar na gente pra examinar"

Márcia - como escolheu ser identificada - vive atualmente em uma casa de aluguel barato, porque conhece o dono do espaço há muito tempo. Graças a isto, não está mais em situação de rua. É uma mulher já adulta, que não sabe há quanto tempo é soropositiva, nem lembra há quanto tempo foi diagnosticada. Tem uma filha com quem retomou contato a pouco tempo, pois havia perdido sua guarda por estar morando nas ruas de Porto Alegre. Ela nunca perdoou o ex-marido por tê-la infectado com o HIV, ou pelas agressões que ela e a filha sofreram ao longo de muitos anos.

 

Para Márcia, o atendimento nos serviços de saúde deveriam ser muito melhor para a população de rua, principalmente porque ela só conseguiu ter acesso aos antirretrovirais que precisa após ter residência fixa. Antes disso, ela até arranjou um encaminhamento com a assistente social, - como conta na entrevista que gravamos para o documentário desta plataforma - mas acabou recebendo uma medicação que não se adaptou ao seu organismo. Ela relata ainda que, apesar de conhecer muitos profissionais dedicados, muitos ainda a tratam com indiferença e, na época em que estava em situação de rua, muitas vezes se sentiu descriminada. 

"Antes eu não tinha inspiração, não queria comer, não queria caminhar, não queria nada. Agora, fazendo o tratamento certinho, eu tenho mais vontade de dormir bem, de comer, de fazer as coisas que eu preciso fazer. Antigamente eu mal conseguia levantar. Parece que agora eu to vivendo mais. Peguei mais cor, engordei, meu cabelo cresceu", conta Márcia orgulhosa.

 

Tanto o ex-marido quanto o atual já frequentaram o Grupo de Apoio à Prevenção da Aids do Rio Grande do Sul, mas ela mesma nunca foi. "O Gapa eu conheci faz pouco tempo, porque morando na rua a gente não tem muita informação. Eu mesma não conhecia nada. Não sabia nem onde era a sopa pro pessoal da rua. Ficava o dia inteiro na praça e não sabia que tinha sopa ali", explica.

O que Márcia não sabia é que ela faz parte do que os especialistas chamam de feminização da epidemia de HIV. Nos últimos anos, a violência doméstica e o abuso sexual aumentaram o risco de HIV entre as mulheres. Em situações de alta prevalência de HIV, as mulheres que vivenciam a violência íntima de seus parceiros são até 50% mais propensas a contrair o HIV. A falta de acesso à educação e aos serviços de saúde e a falta de poder de decisão também são fatores que contribuem para a vulnerabilidade das mulheres ao HIV. Em apenas 30% dos países do mundo, um número igual de meninas e meninos frequentam o ensino secundário.

 

No contexto mundial, mais da metade das pessoas que vivem com HIV são mulheres, conforme os dados da UNAIDS. Segundo a mesma organização, na África Subsaariana, três em cada quatro novas infecções entre jovens de 15 a 19 anos são entre meninas, enquanto, globalmente, o HIV é a principal causa de morte entre mulheres de 30 a 49 anos.

No Brasil, a prevalência de casos de HIV em mulheres de 2016 para 2017 diminuiu 41% em 2017, em relação ao decréscimo masculino de 44%. Mas, ao contrário do cenário mundial, aqui os homens ainda se distanciam muito das mulheres nesse quesito e são a maioria nos números de casos da infecção. 

Até 2015, foram registrados 11425 casos de Aids em mulheres que residem em Porto Alegre. 
 

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